Partilho convosco o artigo publicado pelo Jornal O Público, no dia 6 de Abril, por Jorge Mourinha e Marisa Soares.
«Antes de cada nova emissão, dizia aos colegas: “Fala o
comandante, vamos levantar voo”. Quando abandonou a RTP em 2007, disse: “Meus
senhores, vamos aterrar”. Luiz Andrade, uma das figuras-chave da televisão em
Portugal, faleceu ao início da tarde deste sábado em Lisboa, onde se encontrava
hospitalizado há alguns dias.
A
RTP era a sua “família” e, mesmo depois de se ter “reformado” da estação
continuava a ser “da família”. Não apenas por os seus três filhos terem feito
carreira no canal público – Serenella, locutora e apresentadora, Hugo,
responsável pelo canal de cabo RTP Memória, promovido a actual director de
programas, e Ricardo, também profissional da estação.

É que, como com poucos outros, a história da televisão em Portugal é
indissociável dos 44 anos que Luiz Andrade passou na RTP, de 1963 a 2007. “A
minha mulher costuma dizer que eu me casei com a RTP e não com ela”, disse
quando abandonou a direcção de programas em 2005. Num comentário feito à Antena
1, Margarida Mercês de Mello, que conviveu com Andrade quando se iniciou na
estação na década de 1970 como locutora de continuidade, lamentava que não
existisse nenhum registo das recordações do antigo realizador e director de
programas, que esteve ligado a algumas das emissões mais memoráveis do canal.
Foto: Revista Rádio e Televisão, 17/05/1969
É o caso do lendário Zip-Zip de Carlos Cruz, José Fialho Gouveia e
Raul Solnado, verdadeiro símbolo televisivo da Primavera Marcelista, que se
tornou num fenómeno sem paralelo no Portugal de 1969 e cuja primeira emissão
foi para o ar sem ensaio prévio. Ou ainda do concurso A
Visita da Cornélia, apresentado por Solnado e criado pelo actor e
por Fialho Gouveia, que fez parar o país em 1977.
Andrade dirigiu igualmente os Jogos sem Fronteiras, uma
dúzia de edições doFestival RTP
da Canção, programas como o Sabadabadu (com Ivone Silva e Camilo de
Oliveira) e muitos especiais musicais, para os quais os seus estudos provaram
ter especial importância. O realizador começou por ser cantor de ópera,
profissão que exerceu um pouco por todo o mundo durante oito anos, antes de
decidir abandonar o canto. Pouco depois do regresso definitivo a Lisboa, em
1963, foi convidado para se juntar à RTP, convite que aceitou com a exigência
de ir “ver como se fazia lá fora”, visitando no processo várias televisões
europeias.
Ao longo de quase meio século, Andrade exerceu igualmente uma série de cargos
administrativos dos quais o mais importante terá sido a responsabilidade pela
programação ao longo de vários períodos a partir de 1983, o último dos quais
entre 2002 e 2005. Num texto colocado na rede social Facebook,
Nuno Santos, que foi adjunto de Andrade durante esse período e lhe sucedeu como
director de programas em 2005, lamenta o desaparecimento de um “príncipe da
televisão”, um “(quase) pioneiro” a quem a RTP devia muito.
Com a morte de Luíz Andrade perdeu-se "um romântico", afirmou à Lusa
o apresentador de televisão Júlio Isidro, sublinhando que partiu "a pessoa
que mais amava a RTP na história destes 56 anos de televisão em Portugal".
Isto porque o realizador tinha "um profundo amor pela sua casa, a casa em
que nunca deixou de participar mesmo nestes anos em que já estava teoricamente
afastado", recordou.
A colaboração de Luíz Andrade com a RTP terminou com a coordenação das
comemorações do 50º aniversário da RTP em 2007, sendo agraciado em 2008 com a
Ordem de Mérito atribuída pelo Presidente da República. Em entrevista há ano e
meio à revista Nova Gente, manifestava-se
contra a eventual privatização da estação, entendendo que o serviço público
devia “servir as pessoas, educar e promover a cultura” e que devia passar ao
lado da guerra das audiências.
Em comunicado, o Conselho de Administração da RTP lembra que Andrade era
"dos profissionais mais respeitados da televisão portuguesa" e que
"a ele se devem muitos dos bons momentos de televisão a que gerações de
portugueses assistiram e que ainda recordam". Recordando que o antigo
director de programas era "dotado de um trato exemplar" e que era
"muito querido de todos os colegas e de quantos com ele trabalharam",
a administração da RTP sublinha: "Hoje Portugal e a RTP ficam mais
pobres."
O corpo de Luíz Andrade vai estar em câmara ardente na Igreja de São João de
Deus, na Praça de Londres, em Lisboa, a partir das 11h30. O funeral está
marcado para segunda-feira: a missa é às 9h30 e o corpo segue depois para o cemitério
do Alto de São João, às 10h30.»